O ódio político na igreja evangélica – entrevista com Leonardo Gonçalves

Leonardo Gonçalves, expoente evangélico: cantor, compositor, produtor musical e arranjador brasileiro da música cristã Equipe Leonardo Gonçalves/Reprodução Leia mais em: https://veja.abril.com.br/coluna/matheus-leitao/o-odio-politico-na-igreja-evangelica-entrevista-com-leonardo-goncalves/

Teólogo Rodolfo Capler e cantor cristão Leonardo Gonçalves conversam sobre a onda de polarização política que entrou no segmento religioso.

A atrocidade do assassinato do guarda municipal petista Marcelo Arruda, 50 anos, durante a festa de comemoração de seu aniversário, provocou uma onda de indignação no Brasil. Pessoas dos mais variados campos do espectro político se pronunciaram expressando horror e desaprovação ao crime.

As imagens do tiroteio que levou à morte de Arruda, registradas pelas câmeras de segurança do local, chocaram o país. Segundo a versão oficial do caso, o assassino bolsonarista Jorge José da Rocha Guaranho, chegou ao local da festa de carro e entrou em discussão com Arruda por motivações ideológicas. A partir dali decorreu-se uma desavença. Guaranho deixou o local, voltando alguns minutos depois – atirando duas vezes em direção aos convidados. No interior do espaço onde ocorria a festa, houve troca de tiros e, infelizmente, Arruda não resistiu aos ferimentos.

A morte de Marcelo Arruda emitiu um alerta à sociedade brasileira, que se encontra envolta numa espiral ascendente de ódio político sem precedentes. Há menos de oitenta dias para o pleito eleitoral que definirá o próximo presidente da República, o acirramento da polarização político-ideológica tem se intensificado cada vez mais e a violência nas ruas tem escalado a níveis nunca antes vistos no período da redemocratização, tornando-se uma ameaça cotidiana. A violência política, inclusive, alcançou os ambientes evangélicos, ocupados atualmente por mais 65 milhões de brasileiros. Conforme denunciei aqui nesta coluna, em meu texto “Por que os jovens de esquerda têm saído das igrejas evangélicas”, agressões verbais aos fiéis que se opõe ao atual governo, estão sendo feitas dos púlpitos de muitas igrejas, o que tem resultado num êxodo de jovens progressistas de suas fileiras. O ódio político também é (inequivocamente) pano de fundo dos recentes banimentos institucionais de proeminentes pastores – como foi o caso do ministro Edson Nunes, compulsoriamente destituído da liderança da Igreja Adventista Nova Semente em São Paulo.

Para comentar a atual conjuntura de polarização que envolve as igrejas evangélicas, conversei com o cantor e compositor de músicas cristãs Leonardo Gonçalves. Detentor de uma voz singular e autor de belas canções conhecidas pelo público cristão, Gonçalves – que é mestrando em Letras pela Unicamp e adventista de tradição – tem se manifestado, veementemente, contra a aliança da igreja com o bolsonarismo.

Abaixo, a entrevista completa:

Rodolfo Capler – Como um artista cristão influente, com mais de 3 milhões de seguidores nas redes sociais, como você avalia o nível de diversidade de visões e opiniões políticas na área cristão-evangélica de nosso país?

Leonardo Gonçalves – Acho que o mais difícil para mim é aceitar essa transformação dos conservadores em reação. Cristãos evangélicos em muitos países são muito conservadores, e talvez 20 ou 30% das pessoas dentro da categoria não aceitam o ambientalismo; até agora tudo bem. Convivíamos como irmãos, tínhamos discussões, mas havia uma semelhança na harmonia. A virada para o bolsonarismo reacionário tornou tudo ainda mais difícil, pois muitos cristãos compraram esse “pacote” de guerra cultural em que tudo o que não é “nós”, automaticamente, torna-se um inimigo que precisa ser eliminado. E isso tem sérias consequências para os 20 ou 30% não convertidos, bem como para a Igreja como um todo, para o Evangelho e, finalmente, para a democracia no Brasil. Essa ideia de guerra, que acabou preenchendo o vocabulário da Bíblia, representa uma ameaça real a todos que pensam diferente.

Rodolfo Capler – Como a união entre a política partidária e a igreja (processo que continua até hoje no Brasil) contribui para promover a divisão política e o ódio entre os fiéis?

Leonardo Gonçalves – Na minha opinião, hoje mais do que nunca, as questões políticas estão imersas na religião; Digo isso em relação à tendência de mudar a forma como percebemos e/ou lidamos com as políticas públicas como uma questão de vida ou morte. Isso funciona no sentido de estar disposto a morrer por certas punições, ou como vimos recentemente, no sentido de estar disposto a matar por esses crimes. Na história recente ou antiga do mundo, a união da Igreja com o poder político nunca purificou o Estado, mas sempre corrompeu a Igreja. E sinto que é mais do que ignorância dos dirigentes que querem que acreditemos que desta vez tudo será diferente.

Rodolfo Capler – A morte do petista Marcelo Arruda pela polícia criminal de Bolsonar, que mensagem você deve enviar ao povo brasileiro nesta última fase das eleições de outubro?

Leonardo Gonçalves – Que palavras são importantes, e quando você usa a linguagem como a guerra, você precisa estar preparado para que as pessoas interpretem literalmente. Até porque estamos diante de um aumento absurdo de tentativas de ler a Bíblia literalmente, sempre seletivamente, é claro (porque todas as frases que Jesus disse contra o acúmulo de riquezas ou contra os ricos – surpreendentemente – não são lidas literalmente). Mas cada vez mais pessoas estão tentando mostrar que há apenas uma leitura da Bíblia… Existe até uma lei no Congresso sobre o assunto! Tudo é real. E tudo é uma questão de vida ou morte.

Leonardo Gonçalves Equipe Leonardo Gonçalves/Reprodução

Rodolfo Capler – Que tipo de alerta a morte de uma pessoa nessas circunstâncias envia para a comunidade evangélica de nosso país?

Leonardo Gonçalves – Olha, Rodolfo… Infelizmente não vejo muita gente sabendo disso. A história da guerra cultural, para proteger a “criança imaginária” é sempre ambígua – longe da verdade, pois as demandas das crianças reais, vítimas de abandono, má distribuição de renda e/ou violência no seio familiar nunca são atendidas – e a (im)possível redenção da alma da nação brasileira é motivo suficiente para matar e morrer. Acrescente a isso a narrativa de uma suposta conspiração global contra os valores cristãos e você tem os ingredientes para uma tempestade perfeita. É realmente difícil resistir a esta tentação, ser chamado à grande tarefa de defender os valores cristãos, quando, na verdade, os valores que a Bíblia nos convida a defender são os do amor revelado no ministério cristão. os mais vulneráveis.

Rodolfo Capler – Qual pode ser o papel das igrejas evangélicas na mitigação das divisões políticas no Brasil?

Leonardo Gonçalves – Deve ser a rejeição de qualquer organização ou projeto político a serviço da religião. Em muitos lugares, são os próprios cristãos que lutam pela liberdade religiosa e pelo Estado, porém, infelizmente, isso só acontece em países onde os cristãos são minoria, ou não têm acesso e/ou oportunidade de exercer o poder público. O poder é muito sedutor…

Rodolfo Capler – Que mensagem você deixaria para o eleitor evangélico?

Leonardo Gonçalves – Evite qualquer tipo de comportamento. Evite qualquer simplificação de questões complexas. Iniciar qualquer aparência de instrumentos religiosos ou valores religiosos na eleição de qualquer candidato. E deixe qualquer grupo, igreja ou púlpito que tente fazer isso.

Rodolfo Capler é teólogo, escritor e pesquisador do Laboratório de Política, Comportamento e Mídia da Fundação São Paulo-PUC/SP

Veja.

Leonardo Gonçalves, expoente evangélico: cantor, compositor, produtor musical e arranjador brasileiro da música cristã Equipe Leonardo Gonçalves/Reprodução
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