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Filme Central do Brasil era gravado em povoado do Sertão pernambucano há 18 anos

Fernanda Montenegro e o pequeno Vinícius de Oliveira, à época da gravação de "Central do Brasil" no estado. Crédito: VideoFilmes/Divulgação

Há quase duas décadas, Cruzeiro do Nordeste se tornou cenário para uma das produções mais prestigiadas do país. O “Viver” tomou a estrada para revisitar personagens cujas vidas se cruzaram com “Central do Brasil”

Uma gente de sotaque chiado disparava flashes por um lugar ermo do mapa brasileiro. O endereço é a encruzilhada da BR-232 com a PE-265, quase parada obrigatória dos forasteiros, mais conhecida como Cruzeiro do Nordeste – vilarejo nos arredores de Sertânia, município a cerca de 300 quilômetros do Recife. Ali, o roteiro de Central do Brasil, pensado pelo diretor Walter Salles, encontrou-se com as casinhas estreitas e abençoadas pelas mãos da estátua de “Padim” Padre Cícero.

“Cruzeiro do Nordeste foi escolhida depois de percorrermos cerca de 10 mil quilômetros entre Bahia, Ceará e Pernambuco. Nos encantamos pela cidade, a geografia, as casinhas e a gente”, diz, hoje, a produtora da película, Elisa Tolomelli. No final de janeiro de 1997, aquele pedaço de Pernambuco iria se “travestir” de Bom Jesus do Norte, nome fictício de um dos longas brasileiros com maior projeção internacional – e o único do país a ser indicado ao Oscar em duas categorias fortes: melhor filme estrangeiro e melhor atriz.

Em uma viagem sem compromisso com efemérides, o Viver tomou a estrada para encontrar cidadãos cujas vidas se misturaram às filmagens do longa-metragem. Há 18 anos, o dono do único posto de gasolina local se descobriu cinegrafista e registrou um dos poucos making ofs não autorizados das gravações, um menino pobre virou guardião de Walter Salles, a diretora da escola municipal foi alçada à produção do longa, uma jovem professora começava a carreira duradoura de atriz e uma mulher que jamais tinha ido ao cinema contracenou com a dama da dramaturgia Fernanda Montenegro. Quatro moravam no distrito (e um, em Arcoverde) quando foram gravadas as últimas em Pernambuco, em março de 1997. Dois anos mais tarde, mordiam os lábios de apreensão quando o filme concorreu (e perdeu) em Hollywood.

Atores e figurantes filmaram longa de Walter Salles em Cruzeiro do Nordeste. Crédito: Globo Filmes/Divulgação
Atores e figurantes filmaram longa de Walter Salles em Cruzeiro do Nordeste. Crédito: Globo Filmes/Divulgação

A exposição internacional rendeu transformações à fictícia Bom Jesus do Norte. Vieram a água tratada nas torneiras e o calçamento no lugar da lama abundante de duas décadas atrás. O vilarejo, chamado Placas nos idos de 1960, quase homenageou o filme em uma proposta feita para rebatizá-lo – a ideia nunca vingou na Câmara de Vereadores de Sertânia. Da belle époque das filmagens, restou a lembrança: o cenário envelheceu, as montagens e objetos do longa se perderam e a rodoviária local – onde uma turba de figurantes rezou ao lado de Dora e Josué, personagens do filme – foi abaixo após rachar. A agência dos Correios do distrito, inaugurada dois anos após o filme e um dos elementos vitais para ilustrar a troca de cartas no enredo de Central do Brasil, permaneceu desativada por anos e só retomou as atividades em 2013. Um projeto para criar um memorial sobre as gravações adormeceu nas gavetas do Executivo local – a prefeitura silenciou ao ser indagada pelo Viver.

O percalço dos desafios sociais contrasta com a movimentação sob holofotes da época das filmagens, quando a população de quase sete centenas de pessoas acolheu por um mês carretas de equipamento e a equipe de produção do longa. A cenografia incluiu a criação de igreja, casa dos milagres, agência dos Correios e cabelereiro. “Montamos o cenário da festa, com inúmeras barraquinhas, usando mão de obra local. E a romaria foi composta por todos os habitantes de Cruzeiro do Nordeste e de pessoas vindas de cidades vizinhas. Eram 800 pessoas que trabalharam três noites inteiras como se fossem atores profissionais”, recorda a produtora Elisa Tolomelli.

O enredo do filme caiu em Cruzeiro do Nordeste como luva para representar o drama regional de famílias separadas por precariedade e falta de acesso aos serviços básicos de cidadania. No longa, Fernanda Montenegro é a escritora de cartas Dora, que guia o menino Josué (Vinícius de Oliveira) até a cidade do pai, no Nordeste. Os dois se conhecem na estação Central do Brasil, no Rio de Janeiro, onde a mãe do menino pede a ela que envie uma carta ao esposo. Dias depois, a mulher morre, e a criança é levada pela escrevedora ao encontro da família em Bom Jesus do Norte. A história brilhou em festivais pelo mundo, obteve bilheteria de US$ 22,4 milhões e atraiu cinco milhões de espectadores. O valor de Central do Brasil, porém, não ficou restrito a público e prêmios. Os atores de primeira viagem, os figurantes e os ajudantes de Cruzeiro do Nordeste e das redondezas “tatuaram” a história do longa na pele.

Por: Vinícius de Brito

Fernanda Montenegro e o pequeno Vinícius de Oliveira, à época da gravação de “Central do Brasil” no estado. Crédito: VideoFilmes/Divulgação
Geraldo Majela

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